domingo, 21 de abril de 2013


"Acostumei-me tanto a tua bagunça que agora viver no silêncio incomoda. Nunca imaginei que sentiria falta de sua mania de desarrumar tudo, de sua implicância com meus sermões e de sua teima em tirar cada coisa do seu lugar. Não tive muita paciência, confesso. Esse foi meu pesar. Não sei viver assim, de conta-gotas. Meu pior defeito tenha sido talvez o de levar tudo ao pé da letra. Sempre. Queria-me quieta, serena e silenciosa. Era chata sim. Tudo ao contrário do que era você.

Sua realidade é bem simples e isenta de mistérios. Já tem algum tempo e sequer comecei a me adaptar ao silêncio que é agora minha. Se fosse antes, garoto... Antes eu precisaria dela e a receberia de braços abertos.

Pensava que todas as coisas boas não seriam suficientes para me fazer permanecer e agora sinto falta de tudo. Ruim é esse orgulho besta que não me permite voltar atrás. Vou esperar, então. Isso agora é só uma cena depois dos créditos finais. Um pequeno sorriso e logo após, o epitáfio.
* * *

É bem verdade que meus dias tornaram-se gris e gélidos depois que você partiu dizendo que não voltaria mais e me pedindo respeito por sua decisão. E eu respeito, mas isso não me impede de sentir falta. E eu a sinto em cada canto deste apartamento agora sem vida.

Quero-te de volta, com sua mania de arrumação e seus — raramente irritados — sermões que misturados ao tocar de algum dos meus velhos discos ou ao ensurdecedor volume da tv traziam a sonoridade que eu sequer sabia precisar aos meus dias. E confesso: é atormentador esse querer.

Mas você não vai voltar e eu sou orgulhoso demais para correr atrás, então aceito e sigo nesta rotina que alguém estipulou como padrão. Trabalho, barzinho e então minha sempre bagunçada cama, agora vazia. E é nela que você me assalta, rouba-me de mim e faz com que eu perceba que uma vez mais me encontro vazio, porque você me levou junto quando se foi e agora só há você em mim, mas balanço a cabeça espantando os pensamentos e murmuro um xingamento à minha imensa estupidez.

Sinto vontade de te ligar, não nego. Penso em pegar o telefone e fazer um pedido de desculpas, dizer que estou mudando e tentando ser mais organizado, mas você não acreditaria; da mesma forma que eu próprio não consigo. Eu não sei mudar dessa forma, a pedidos. Não é e nunca virá a ser assim que as coisas funcionam.

Dias desses contratei uma diarista e antes de sair para o trabalho lhe pedi que me arrumasse o apartamento de uma forma diferente, como se dessa forma pudesse também afugentar seu fantasma, que parece habitar cada espaço. Tolice minha, admito. Mas assim são os homens, sempre propícios a fazer coisas estúpidas na esperança de fugir dos fantasmas de seus passados.

E ainda agora, enquanto observo a chuva caindo próximo à janela, sei que ainda que demore chegará o dia em que você não será meu primeiro pensamento do dia e que eu não mais esperarei que a porta se abra abruptamente revelando-me você, de malas cheias e coração aberto, dizendo que voltou, para ficar. Essa certeza me apazigua e apavora ao mesmo tempo e eu gostaria de perguntar a alguém o que virá depois, mas sei que seria inútil. São coisas que ninguém sabe."

- Retalhos, por Larissa Rebecca e Caleb Henrique

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